segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Être et Avoir - Ser e Ter

Produzido em Auvergne, zona rural da França, o longa-metragem Être et Avoir (Ser e Ter) é um filme-documentário de 104 minutos, lançado em 2002, pelo diretor Nicolas Philibert. O documentário permite ao espectador compartilhar os processos educacionais rotineiros de uma turma, onde alunos de 4 a 11 anos dividem o mesmo espaço e o mesmo mestre, que os acompanha do jardim da infância até o último ano do Ensino Fundamental I.
O professor Georges Lopez, filho de um imigrante espanhol e de uma francesa, sempre quis ser professor, o que foi uma grande conquista, já que seus pais eram trabalhadores rurais e nunca tiveram oportunidade de seguir adiante com os estudos. No filme, ele é o elemento central e representa um exemplo de dedicação total à profissão. Através da sua participação, o filme mostra a influência positiva que pode ter um educador na formação do caráter e da personalidade dos alunos.
O documentário retrata também parte da vida quotidiana dos alunos e de suas famílias, valorizando a influência familiar na formação das crianças. O filme permite que o espectador divise as estreitas relações e a cumplicidade que existem entre as famílias e o professor, o que parece resultar numa intervenção muito positiva na percepção que as crianças têm da escola. É importante mencionar que o documentário mostra que o professor da turma é um membro participativo da pequena comunidade, em que ele é bem-quisto e considerado um bom cidadão e um bom educador.
É visível que, além de ensinar os alunos a ler, escrever e realizar operações matemáticas básicas, Lopez se preocupa em prepará-los para uma vida adulta responsável e decente. Ele interfere com serenidade, firmeza e eqüidade nos conflitos, se preocupa em escutar cada criança em seus problemas, oferece condições para uma convivência harmoniosa e para a cooperação entre colegas, exige que os alunos pensem, reflitam e se empenhem na resolução de problemas, e demonstra em todos os seus atos respeito por cada um de seus alunos, explicitando um exemplo de convivência fraterna e ética.
Cada criança tinha a possibilidade de construir o seu próprio conhecimento, frente a atividades curriculares que extrapolavam os limites da sala de aula e dos conteúdos tradicionais. Sempre que tem oportunidade, ele leva as crianças a refletir sobre sua aprendizagem.
O documentário permite-nos refletirmos sobre os processos de aprendizagens e internalização dos conhecimentos estudados tanto por Vygotsky, quanto por Piaget. Vygotsky apontava a importância da convivência com outras pessoas para que o ser humano pudesse se desenvolver plenamente enquanto tal, desenvolvimento este que só poderia ocorrer através do aprendizado, ao contrário do que afirmava Piaget, que colocava a maturação biológica como pré-requisito para a aprendizagem.
Nesse sentido, tomando por base a teoria de Vygotsky, é possível perceber o papel imprescindível que deve ter um professor na formação do indíviduo, pois, nos termos utilizados pelo teórico, o professor agiria, exatamente, na zona de desenvolvimento proximal, permitindo à criança desenvolver habilidades que ela ainda não possui, mas que já tem capacidade para aprimorar.
Essa possibilidade de alteração no desempenho de uma pessoa pela interferência de outra é fundamental na teoria de Vygotsky e a sua implicação para o ensino escolar é imediata. Se o aprendizado impulsiona o desenvolvimento, então a escola tem um papel essencial na construção do ser psicológico adulto dos indivíduos que vivem em sociedades escolarizadas.
A escola desempenhará bem o seu papel na medida em que, partindo daquilo que a criança já sabe, ela for capaz de ampliar e desafiar a construção de novos conhecimentos, ou seja, de incidir na zona de desenvolvimento potencial dos educandos. Desta forma, poderá estimular processos internos que acabarão por se efetivar, passando a constituir a base que possibilitará novas aprendizagens.
A escola não deve se restringir à transmissão de conteúdos, mas, principalmente, ensinar o aluno a pensar, ensinar formas de acesso e apropriação do conhecimento elaborado, de modo que ele possa praticá-las autonomamente ao longo de sua vida, além de sua permanência na escola.
É exatamente isso que é possível perceber no filme. O professor Georges estava preocupado com o desenvolvimento da autonomia dos seus alunos. Cada um podia aprender no seu próprio ritmo, tendo a atenção plena do professor na superação das dificuldades. Ele nunca punia os erros e sim tentava fazer os alunos perceberem por conta própria onde estavam errando e, com isso, introjetar, de fato, os conteúdos repassados.
Para Piaget, é com o convívio que vai se dando a construção moral das crianças e juntamente com esta, também se desenvolve o caráter afetivo. Se bem trabalhada a moral dos alunos com auto-estímulo, afeto, elas serão mais humanizadas, afetivas em seu convívio social e também pessoal, psicológico. 
Através da interação entre o professor e os alunos, cujas idades vão de 4 a 10 anos, pode-se perceber como o professor George Lopez realiza sua tarefa de educador, tendo por base a teoria cognitiva defendida por Jean Piaget, utilizando-se de processos presentes no segundo e terceiro estágio – Pré-operacional e Operacional Concreto.  
No estágio operacional completo, que coincide com a fase pré-escolar e vai dos dois anos de idade até os sete anos em média, percebe-se no filme a presença do pensamento egocêntrico e centralização nas ações desencadeadas na sala pelas crianças. A atitude por competição e a incapacidade de compreender as coisas por outro ponto de vista que não seja o seu, é responsável por vezes pela intervenção do professor Lopez como mediador, na tentativa de expor uma visão de grupo e de corpo. Nesse estágio, o professor procura trabalhar habilidades motoras, já que o pensamento e a liguagem estão reduzidos. Esse tratamento é percebido claramente na atitude do professor na ato de determinar tarefas ou deveres, que respeita a linguagem e o desenvolvimento cognitivo do aluno apesar de crianças de idades diversas estarem em um mesmo ambiente físico.

Nesse sentido, um professor que é afetivo com seus alunos, estabelece uma relação de segurança, evita bloqueios afetivos e cognitivos, favorecendo o trabalho socializado e ajudando o aluno a superar erros e a aprender com eles, exatamente o que foi possível perceber na relação do professor Georges com os seus alunos, os quais tinham liberdade para discutir com ele qualquer assunto, inclusive de cunho particular, a qualquer hora, estabelecendo uma confiança extremamente positiva para o processo de aprendizagem.

Sociedade dos Poetas Mortos - Uma reflexão pedagógica



                “Tradição! Honra! Disciplina! Excelência!” São os quatro pilares da renomada instituição educacional Welton Academy retratados na produção cinematográficos Sociedade dos Poetas Mortos (1989), dirigida por Peter Weir. O longa-metragem permite-nos uma profunda reflexão sobre os processos educativos baseados numa pedagogia tradicional, entendendo esta como sustentáculo das ramificações positivistas do conhecimento, como o Behaviorismo na Psicologia.
            Contextualizado nos anos 1950, o filme retrata o cotidiano de uma escola extremamente rigorosa e hierárquica no relacionamento professor-aluno onde o princípio da disciplina é o caminho para a excelência e o sucesso. Seus alunos de terno e gravata são imersos nas aulas de latim em que a aprendizagem consistia na repetição de todos os verbos e suas ramificações intermináveis, ou em as aulas de trigonometria precisamente absolutas. Seus professores são os verdadeiros operadores com a missão única de aperfeiçoar e condicionar suas maquinas.
            De acordo com a noção e função da educação, influenciada pelas teorias comportamentalistas desenvolvida a partir da segunda década do século XX, a transmissão cultural dos conhecimentos e dos comportamentos éticos é de total responsabilidade do professor, não cabendo parte alguma aos alunos no “seu”, nesse caso “não-seu”, processo de aprendizagem. É o ambiente escolar o único provedor de estímulos capazes de transformar – mudança permanente/aprendizagem – o indivíduo estritamente moldado e planejado.
            A contratação de um novo professor de inglês John Keating representará o choque entre duas visões educacionais expressas nas discussões behavioristas e construtivistas. Em sua aula inaugural o professor provoca o questionamento de qual o sentido da vida para cada um dos seus alunos. Ele visa que seus alunos encontrem suas respostas em si mesmo, deixando-os pensarem e construírem seus pensamentos e conhecimentos.
A velha noção de poesia milimetricamente calculada entre os eixos da avaliação da perfeição do poema e sua importância obtendo como resultando sua excelência é rasgada e jogada ao lixo, dando espaço para assimilação e acomodação por parte dos alunos dos verdadeiros sentidos da literatura. Nessa perspectiva não compete mais ao professor a responsabilidade da aprendizagem e sim ao aluno total domínio na construção do conhecimento.
É nesse sentido que os alunos reativam as antigas reuniões secretas da Sociedade dos Poetas Mortos com a finalidade de “sozinhos” descobrirem os verdadeiros conhecimentos. Nesse ponto o filme possibilita-nos pensarmos nos equívocos que as teorias construtivistas tiveram nos domínios da educação. Embora não seja a única linha de interpretação, a fundação dessa sociedade secreta equipara-se a idéia de que dado o material inicial (o livro doado e utilizado nos tempos escolares do professor Keating) é suficiente em si para que os alunos sozinhos se guiem na construção do conhecimento e no seu processo de aprendizagem. É essa noção que norteia muita das escolas ditas construtivistas.
Por fim, e não limitando as dimensões do filme nessas poucas linhas, pois além das questões educacionais podemos ainda contemplar-nos com discussões sobre relacionamento pais/filhos, noções de mundo e suicídio; o longa-metragem encerra com a expulsão do professor Keating demonstrando a não aceitação do sistema educacional tradicional, honroso, disciplinar e excelente na aceitação de alternativas para o processo educacional que não corresponde mais as realidades do meio social.